domingo, novembro 5

Nelson Rodrigues, por Ruy Castro


Biografia aclamada por críticos e leitores. Uma referência para todos os biógrafos. Pontuações máximas. Uma grande expectativa que não saiu gorada. Já li algumas biografias, mas nunca alguma que se assemelhasse.

«Ninguém é exatamente velho aos 49 anos, mas Nelson aparentava muito mais. Era lento de gestos, pesado, sedentário. Sua fala era uma espécie de mugido arrastado, a ponto de pensarem que vivia bêbado – ele, que nunca pusera uma gota de álcool na boca. Quando se empolgava, a voz ganhava outra tonalidade e as sílabas quase se atropelavam, mas isso era raro, porque Nelson parecia carregar uma tristeza perene. Quando se sentava para escrever, os ombros caíam e ele, que não era baixo, encolhia. A visão dos suspensórios também não ajudava. O que pareciam traços de beleza na juventude tinham sido devastados pelos abalos da saúde e pelo seu estilo de vida – o rosto magro e bem desenhado lembrava agora um buldogue. E Nelson era publicamente doente. Todos sabiam que era que era tuberculoso e ele próprio encarregava-se de promover sua úlcera como se ela fosse Maria Callas. Era cardíaco, precisava de se cuidar. Tinha uma enxaqueca permanente, comum a toda a sua família. E sofria também de hemorróidas.
Quando Lúcia revelou a história a suas amigas no Country e nos lugares sofisticados que frequentavam, elas não acreditaram. Como podia interessar-se por um homem tão mais velho, feio, doente, relaxado, certamente cheio de manias e, para piorar, casado – por mais inteligente e fascinante que fosse? O choque dos amigos de Nelson não foi menor.»
O Anjo Pornográfico, Ruy Castro