quarta-feira, setembro 28

O Primeiro de Janeiro








A minha avó lia o jornal no dia seguinte. Desde que se reformara ficava pelas páginas dos crimes e roubos que, convenhamos, não perdiam a actualidade de um dia para o outro. Assim, em minha casa sempre me lembro de dois jornais que identificava imediatamente pela frescura do papel e pelo local do poiso. Um chegava impreterivelmente às sete e dez, hora a que o meu pai regressava para jantar, o outro, já descomposto por outros olhares, no quarto da minha avó Felisbela que, pelos seus óculos de professora e num contínuo sibilar de atrocidades, passava parte da sua tarde horrorizada com os tempos que corriam. Eram tempos do Primeiro de Janeiro, que se diferenciava pela independência em relação aos governos de então, do rival Comércio do Porto, mais popular e alinhado, e do paroquial JN, ainda sem expressão nacional. Anos sessenta.

Quanto a mim, ainda miúdo, virava as páginas do jornal à procura de algo que os mais velhos pareciam encontrar, numa cadência rápida que só o futebol conseguia contrariar. No Verão, claro, analisava minuciosamente as classificações da Volta a Portugal em Bicicleta e na penúltima página, ao lado das palavras cruzadas e das sete diferenças, sempre tão óbvias, as tiras do Mandrakee e do Fantasma. Ao domingo, intrigava-me a tira de três quadradinhos do Príncipe Valente que já ia na casa dos milhares e nunca consegui perceber quem seguiria tal história e quando teria começado.

A ideia do jornal como caixinha de surpresas vem daí e ainda se mantém. Abro-o com a curiosidade de quem desembrulha algo, com a expectativa de encontrar não sei bem o quê que me fixe a atenção distraída. E encontro. Nos diversos jornais online que consulto há, cada vez mais, quem escreva muito bem, quem ilustre ou fotografe com grande sensibilidade, quem faça publicidade com grande criatividade. Neste ritual diário que começa pelas capas dos jornais, tropeço sempre no mau gosto da primeira página de um “jornal” que usa o nome de O Primeiro de Janeiro.

domingo, setembro 25

Parabéns a Carlos Freitas.



Domingos não vê diferença entre este jogo com o Setúbal e o jogo contra o Olhanense. Pasmo ao ouvir isto - eu não encontro qualquer semelhança. Só uma imprensa estranhamente compreensível com o técnico e uns adeptos com uma enorme vontade de esquecer o passado apagam o início desastrado de um treinador que optou, até ao limite, por um onze sem a mínima qualidade. Parabéns a Carlos Freitas pelos novos jogadores.

domingo, setembro 18

Postais de Paris



Quem associa Woody Allen a Manhattan ou Annie Hall, Meia-Noite em Paris é uma desilusão. As sucessões de postais sobre Paris nos primeiros minutos do filme marcam-no definitivamente. Reduzem-no a isso. A tentativa nostálgica de recuperar Paris como centro cultural do início do século vinte, leva Woody Allen a uma colagem forçada de sketches com intelectuais e artistas boémios de então (Picasso, Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Cole Porter …). Se o argumento é preguiçoso e pobre os actores são convincentes. Owen Wilson e Marion Cotillard sobressaem, Carla Bruni, como guia de museu, contida e discreta. Quem diria! Sinais dos tempos?

sábado, setembro 17

Homens destes não caem assim.


Estranho a surpresa de tantos com o buraco da Madeira!
O garante de lealdade do sistema feudal da ilha assenta na fidelidade a Alberto João Jardim. Ao longo de 30 anos satisfez a cobiça por toda a opulência material e sucesso do seu séquito. Do governo regional todos dependem e não me parece que algo se vá alterar nas próximas eleições. Homens destes não caem assim.

quinta-feira, setembro 15

The Good Wife

Nos EUA o primeiro episódio da terceira temporada será exibido ainda este mês. Por cá, a segunda já começou. Fox Life, canal 62/63.



domingo, setembro 11

Obviamente, demitia-o.


DN


Que argumentos usam os treinadores para justificar tão chorudos ordenados? O mercado explicará a exorbitância, mas ao ouvido do presidente dirão: capacidade de trabalho; competência no recrutamento dos melhores para cada jogo; equidade no tratamento dos jogadores; domínio nas questões técnico-tácticas; perspicácia na leitura do jogo; ousadia nas soluções.
A vitória merecida frente ao Paços de Ferreira (com o melhor 11 da época) e o contraste com as escolhas e futebol praticado nos restantes jogos só poderá ter um epílogo – Domingos não serve.  

terça-feira, setembro 6

O ritmo e o tom de Vitor Gaspar






Gosto de ouvir Vitor Gaspar. Curiosamente sempre que o oiço nas entrevistas ou na aula que deu aos jovens do PSD a minha atenção centra-se sobretudo na forma: a timidez inicial; o ritmo e o tom de voz inalteráveis; a pronúncia bem articulada; a reacção tardia às perguntas que cria algum desconforto, mas logo ultrapassado pela imprevisibilidade das respostas; a cordialidade permanente.
Quanto à substancia, o mesmo ritmo e o mesmo tom – mais impostos sobre o trabalho: "Nós sempre escolhemos usar o sistema fiscal português, por exemplo, considerar como indicador de capacidade contributiva o rendimento das pessoas singulares. Não me parece que seja avisado alterar isso por causa de medidas de recurso".

sábado, setembro 3

Figo





A maneira correcta de comer um figo à mesa
É parti-Io em quatro, pegando no pedúnculo,
E abri-Io para dele fazer uma flor de mel, brilhante, rósea, húmida,
desabrochada em quatro espessas pétalas.

Depois põe-se de lado a casca
Que é como um cálice quadrissépalo,
E colhe-se a flor com os lábios.
Mas a maneira vulgar
É pôr a boca na fenda, e de um sorvo só aspirar toda a carne.

Cada fruta tem o seu segredo.
O figo é uma fruta muito secreta.
Quando se vê como desponta direito, sente-se logo que é simbólico:
Parece masculino.
Mas quando se conhece melhor, pensa-se como os romanos que é
uma fruta feminina.

Os italianos apelidam de figo os órgãos sexuais da fêmea:
A fenda, o yoni,
Magnífica via húmida que conduz ao centro.
Enredada,
Inflectida,
Florescendo toda para dentro com suas fibras matriciais;
Com um orifício apenas.

D.H.Lawrence
(tradução de Herberto Helder)